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Particularmente, eu tenho uma enorme dificuldade para dirigir. Mas não é pelo ato de dirigir em si, mas sim porque é difícil andar pela cidade. Não sei o que seria de mim sem o Waze. Ou o Movit.

O poder que temos na mão hoje em dia é impressionante: absolutamente de graça (depois de pagar pelo aparelho de celular e internet) temos acesso aos melhores mapas que a humanidade já conheceu. E ainda podemos ver fotos de satélite acessando o Google Earth a qualquer momento.

Mas esse poder de localização é muito recente na história da humanidade.

Antigamente, o universo tinha uma aparência muito diferente do nosso.

Como você se sente ao ler um relato sobre deuses construindo e mantendo o planeta funcionando?

Existe algo de especial nesses relatos.

Eu traduzi (do inglês) esse pequeno “trecho do trecho” de uma inscrição feita na tumba de Setis I e que foi encontrada em Abidos, um dos cemitérios mais importantes do Antigo Egito.

Esse trecho está perto do desenho da maravilhosa deusa Nut:

Como o lado de cima do céu existe, é em escuridão uniforme,

os limites do sul, do norte, do leste e do oeste dele são desconhecidos;

esses foram fixos em águas, em inércia.

Não existe nenhuma luz de Rá ali: ele não aparece ali –

um lugar cujo sul, norte, leste e oeste é desconhecido pelos deuses [ou akhs],

sem ter nenhuma claridade ali.”

[Tradução livre de um trecho extraído do livro Genesis in Egypt: The philosophy of Acient Egyptian Creation Accounts – James P. Allen – Yale Egyptological Studies 2 – 1988 – páginas 1-2 texto 1-A1]

Vou colocar uma “foto” dela:

E. A. Wallis Budge (1857-1937), Public domain, via Wikimedia Commons

A Nut é a mulher que parece fazendo alongamento, formando um arco, e com “asteriscos” (estrelas) desenhados pelo corpo.

Ela era uma deusa muito importante para os egípcios: o Sol (o deus Rá) navegava por seu corpo, nascendo e morrendo todos os dias.

E ela era o céu: uma espécie de abóbada que determinava o limite da atmosfera que existia entre a terra (na foto representado pelo deus Geb, que fica deitado no chão, deixando a deusa Nut encostar os pés e as mãos nele) e o mundo escuro e com limites desconhecidos. Ao contrário do movimento da terra, esses lugares desconhecidos estavam em “inércia”, com “águas primitivas paradas”.

Dessa forma, era a deusa Nut (o céu) que cuidava do sol, da chuva, e do clima.

Agora, eu sei que essa imagem do universo é muito diferente da nossa. Não existe nada nesse mundo capaz de me fazer pedir aos deuses que continuem enviando chuva, mas que é uma imagem bonita e rica, ah isso é.

O Cosmos na Bíblia

Se você leu o nosso artigo sobre Criação x Evolução, já sabe que por aqui somos um pouco relutantes em comparar textos de milhares de anos atrás com a Ciência do século XXI. Mas então, o que acontece quando comparamos a Bíblia com outros textos antigos?

Se você ficou tão maravilhado quanto eu com o alongamento Yoga nível mil da deusa Nut, talvez já saiba onde eu quero chegar.

Depois disse Deus: “Haja entre as águas um firmamento que separe águas de águas”.

En­tão Deus fez o firmamento e separou as águas que ficaram abaixo do firmamento das que ficaram por cima. E assim foi.

Ao firma­mento, Deus chamou céu. Passaram-se a tarde e a manhã; esse foi o segundo dia.

Gênesis 1:6-8

Essa ideia de firmamento não faz sentido algum pra nós, não é mesmo?

Mas se existe chuva, então fica óbvio que existe água lá em cima no céu. Quem segura essa água toda? Para os egípcios, a deusa Nut é o céu, e ela é responsável por cuidar dele. Para os escritores da Bíblia, porém, existe um Deus que é a autoridade máxima, e que cria um firmamento apenas com o poder da própria palavra.

E ao mesmo tempo que temos diferenças, também temos semelhanças nos relatos. Ambos tratam sobre as águas.

Agora, uma possível explicação para esse fascínio por águas é que esse era (e ainda é) um recurso essencial, e que para os antigos, era de difícil acesso (não existia encanamento). Então, celebridades cósmicas com certeza tinham esse recurso em abundância, ao contrário dos pobres mortais seres humanos.

Vou colocar uma imagem aqui para ilustrar como possivelmente o mundo era imaginado, na Cosmologia Bíblica (aliás, procurando essas palavras no Google Imagens você vai encontrar muitos esquemas bons para analisar):

Cosmos Bíblico: águas acima e abaixo da terra, firmamento separando águas e águas, colunas que sustentam o mundo, e profundezas do abismo.

Então aqui vemos que o mundo antigamente era imaginado sendo um pouquinho diferente do que nós sabemos ser hoje em dia.

(Obs. A comparação da ideia de firmamento com a deusa Nut é apenas uma entre as muitas possíveis comparações com textos de diferentes povos antigos. Existem muitas semelhanças com vários outros relatos, de vários outros povos. Aqui nesse artigo escolhi falar apenas de um pequeno detalhe no meio de muitas análises mais completas)

Perspectivas diferentes, mesmo universo

Acho que um possível medo que podemos ter em assumir que a Bíblia esteja errada nas descrições “científicas” de como o mundo funciona é que ela, então, estaria possivelmente errada sobre muitas outras coisas. Ou talvez seja “apenas” ficção, uma literatura interessante. Mas por que jogar o bebê fora junto com a água do banho?

Vamos observar essa imagem do nosso planeta:

Ela parece ser o nosso planeta, mas ela não é nosso planeta. Ela é uma representação do nosso planeta.

Todas as nossas imagens, todas as nossas teorias, todo o nosso conhecimento são representações da realidade. Nenhum deles é a realidade.

Algumas representações vão tentar mostrar nossa posição no universo, outras vão mostrar o movimento dos oceanos, outras vão comparar o tamanho da África em relação a Europa, e outras vão tentar responder “qual é o sentido da vida? Quem somos nós perante a grandeza do universo?”.

Será que existe alguma representação específica que seja muito melhor do que todas as outras? Eu voto que não. Eu voto que quantas mais representações conhecermos, melhor será nossa ideia de realidade.

Pra falar sobre isso, existe uma historinha que eu li em algum lugar, mas não me lembro onde. É sobre pessoas que encontram um elefante muito grande. Grande demais. Tão grande, que nenhuma delas consegue enxergar que é um elefante. Cada pessoa consegue ver apenas uma pequena parte do animal, então elas se separam e começam a descrever as pequenas partes que cada uma consegue ver. Se todas as pessoas conversarem entre si e juntarem seus entendimentos, irão conseguir ver finalmente o que é esse animal.

Eu acredito que nosso entendimento da realidade é semelhante a esse elefante, que é grande demais para uma pessoa sozinha conseguir entender. Precisamos conversar com outras pessoas. Só que hoje em dia não precisamos conversar apenas com contemporâneos. Podemos fazer conversas que atravessam o tempo e qualquer barreira geográfica, e podemos tentar montar uma ideia do que é a realidade, de fato, juntando as descrições de milhares de pessoas.

E nenhuma delas é melhor do que a outra: elas são apenas pedaços diferentes do enigma que é a vida. Porque no final das contas, por que estamos aqui? Temos uma parte física que pode ser explicada pela ciência, temos emoções que estão espalhadas pela nossa arte, mas afinal, o que significa estar vivo? E pior, por que estamos aqui?

O que a maioria de nós concorda é que essas são perguntas maiores do que somos capazes de responder. Então, quem é a inteligência maior que está por trás da vida? O acaso? Como o acaso age? Tem vontade própria? Será que é deus? Quem é esse deus? Tem vontade própria?

E nesse sentido, eu não acredito que alguém consiga responder isso. Não existe uma única pessoa que tenha as respostas. Ninguém sabe. E ao mesmo tempo, possivelmente, todos sabemos. É uma questão de se aventurar por diferentes narrativas, e, aos poucos, construir uma representação da realidade que seja cada vez mais real.

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